Coisas que não são minhas (6)


"Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho - Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa - Não estou presa...
- Ah! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa - De que andas tu à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho - O que é que "estar preso quer dizer?
(...)
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser o único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho - Sabes, há uma certa flor... tenho a impressão que estou preso a ela...
- É bem possível - disse a raposa - vê-se cada coisa cá na Terra...
(...)

- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa. Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver preso a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor... Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós - disse a raposa - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...

O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa - Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito... São precisos rituais.
(...)

Então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa - Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti."

Antoine de Saint-Exupéry
O Principezinho


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