Devaneios de dias à noite (2)



O encontro correu mal.
Ele disse que eu só estava ali pelas minhas pernas e eu disse que ele era um cabrão. Mas pensei pior, juro que pensei.
Ter pernas neste meio é muito difícil. Principalmente em saltos altos. Antes de conseguir captar a atenção para o que dizemos, temos de a desviar de onde ela está: a minha cara é mais acima.
Talvez seja difícil acreditar que se possa ter a aparência e a inteligência, embora quanto à primeira, muitas vezes ser mulher é o suficiente, como se muitos homens não ficassem incrivelmente sensuais de fato…!
Bem, não este em particular, que do alto da sua barriga e pequeno bigode não tinha qualquer ponta de sensualidade.
Aceito bem que discordem do que eu digo. Frequentemente discordo de toda a gente e já várias vezes mudei de ideias ou vi a mesma realidade de uma outra perspectiva. Não posso é aceitar que o façam porque estou de saia.
Não gosto particularmente desta guerra de sexos e nem vejo num, especial superioridade em face do outro. É verdade que somos diferentes e é nas diferenças que nos distinguimos. Dentro deste meio temos no entanto de ser todos iguais.
Aprendi por isso a ignorar os olhares de que não gosto, os sorrisinhos perversos e as bocas mal-educadas.
Quando entro numa sala sou um homem, igual aos outros que ali estão. Não quero que me abram a porta, segurem as pastas ou apanhem a caneta que caiu, se não o fazem por alguém do mesmo sexo. Não aceito que me falem em romances, chocolates ou novelas. Para além de que ser mulher é muito mais do que isso. Posso ser tão dura como qualquer um deles e fui sempre assim desde o primeiro dia. Desta vez no entanto não foi possível.

Entrei no gabinete a bater portas e pensar palavrões. “Estou aqui pelas minhas pernas! Essa é boa!” Ali estava ele.
            - "Diz-me que sou esforçada."
            - "É claro que és esforçada! Que conversa é essa?"
“Se fechares a porta vamos ter um problema. As coisas complicam-se e esqueço-me onde estou, o que sou, que sou um homem.”
            "- O que é que aconteceu?"
“O caso está definitivamente perdido..."

0 Coisas dos outros