Coisas que não são minhas (3)


"No fundo, bem lá no fundo do corpo, mora a alma.
Ainda não houve quem a visse,
Mas todos sabem que ela existe.
E não só sabem que existe,
Como também sabem o que lá tem dentro.

Dentro da alma,
Lá bem no centro,
Pousado numa pata
Está um pássaro.
E o nome do pássaro, é pássaro da alma.
E ele sente tudo o que nós sentimos:

Quando alguém nos magoa, o pássaro da alma agita-se para lá e para cá 
Em todos os sentidos dentro do nosso corpo, sofre muito.

Quando alguém nos ama,
O pássaro da alma dá pulinhos
De contente,
Para trás e para a frente,
Vai e vem.

Quando alguém nos chama,
O pássaro da alma põe-se logo à escuta da voz,
A fim de reconhecer que tipo de apelo é.

Quando alguém se zanga connosco,
O pássaro da alma recolhe-se dentro de si
Tristonho e silencioso. 

Quando alguém nos abraça, o pássaro da alma
Que mora no fundo, bem lá no fundo do nosso corpo,
Começa a crescer a crescer,
Até encher quase todo o espaço dentro de nós,
Tão bom é para ele o abraço.

Dentro do corpo, no fundo, bem lá no fundo, mora a alma.
Ainda não houve quem a visse,
Mas todos sabem que ela existe.
E ainda nunca,
Nunca veio ao mundo alguém
Que não tivesse alma.
Porque a alma entra dentro de nós no momento em que nascemos
E não nos larga
- Nem uma só vez - 
Até ao fim da nossa vida.
(...)

Decerto querem também saber de que é feito o pássaro da alma.
Ah, isso é mesmo muito fácil:
É feito de gavetas e mais gavetas.
Mas não podemos abrir as gavetas de qualquer maneira,
Pois cada uma delas tem uma chave para ela só!
E o pássaro da alma
É o único capaz de abrir as gavetas dele.
(...)

E como tudo o que sentimos tem uma gaveta,
O pássaro da alma tem imensas gavetas.
A gaveta da alegria e a gaveta da tristeza.
A gaveta da inveja e a gaveta da esperança.
A gaveta da desilusão e a gaveta do desespero.
A gaveta da paciência e a gaveta do desassossego. 
E mais a gaveta do ódio, a gaveta da cólera e a gaveta do mimo.
E a gaveta da preguiça e a gaveta do vazio.
E a gaveta dos segredos mais escondidos,
Uma gaveta que quase nunca abrimos.
(...)

Às vezes uma pessoa pode escolher e indicar ao pássaro
As chaves a rodar e as gavetas a abrir.
E outras vezes é o pássaro quem decide.
Por exemplo: a pessoa quer estar calada e diz ao pássaro para abrir a gaveta do silêncio. 
Mas ele, por auto-recriação, abre-lhe a gaveta da fala, 
E ela desata a falar, a falar sem querer.
(...)

E acontece que a pessoa tenha ciúmes sem qualquer motivo.
E que estrague justamente quando mais quer ajudar.
Porque o pássaro da alma nem sempre é disciplinado
E às vezes dá-lhe trabalhos...
(...)

E quando o pássaro está de mau humor
abre gavetas que dão mal-estar.

E quando o pássaro está de bom humor
escolhe gavetas que fazem bem.

E o mais importante - é escutar logo o pássaro.
Pois acontece o pássaro da alma chamar por nós, e nós não o ouvirmos.
(...)

Há quem o ouça muitas vezes,
Há quem o ouça raras vezes,
E há quem o ouça

Uma única vez na vida.

Por isso vale a pena
Talvez tarde pela noite, quando o silêncio nos rodeia,
Escutar o pássaro da alma que mora dentro de nós,
No fundo, lá bem no fundo do corpo."

Michal Snunit
O  pássaro da alma

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