Carta aberta
Meninos,
Aqui há uns anos, um apresentador de televisão despediu-se
do programa onde trabalhava talvez há mais tempo que eu e alguém lhe escreveu
uma carta. Dir-se-ia “não és do tempo das cartas” mas a verdade é que as cartas
são intemporais e são tão de agora como de há anos atrás. E nunca é tarde para
se dizer o que se sente.
Começava assim,
“Nunca gostei
das últimas coisas ao contrário das primeiras. Por mais que não o queiramos as
últimas coisas transportam em si uma nostalgia que tresanda a naftalina, que
nos remete às coisas boas que ficaram para trás, onde não há lugar para as más,
porque neste caso talvez não tenham existido, pela convivência feliz,
afortunada, pela sorte que tive em vir parar aqui…” *
É como eu o
sinto, uma nostalgia que tresanda a naftalina e que me recorda das coisas boas,
e só destas, talvez por não terem existido outras, talvez por já não me
lembrar.
Nunca desejei
ficar aqui para sempre. Só agora. Talvez sejam assim as pessoas, com o que não
podem ter. Oxalá agora não tivesse já chegado, não fosse a hora de dizer adeus,
mas até já, não tivesse de me despedir de vocês, para ir embora, noutros voos.
Foi uma
convivência feliz, afortunada e uma grande sorte. Pelo que me ensinaram, me
deram a conhecer, me permitiram, pelas relações profissionais e principalmente
humanas, pelos bons momentos, por tudo o que agora são só palavras e nada mais.
Vou lembrar-vos para sempre com saudade mas presença, como se não fossem apenas
uma recordação. Foram dois anos que passaram como quase dois dias e talvez um
dia nos possamos reencontrar, como se apenas tivesse passado outro tanto, mesmo
que já lá tenha ido um longo tempo. Quero dizer que espero voltar.
Gosto muito de
vocês. Mesmo, do coração. Como se gosta da família e dos amigos. E é
principalmente por isso que custa partir, porque a família e os amigos não
estão em todo lado nem ao virar da esquina (como eventuais oportunidades
profissionais) mas ficam onde os deixamos e custa deixá-los.
Nunca gostei
das últimas coisas e neste momento não gosto das primeiras.
Quando o
apresentador de quem falava foi embora, alguém lhe escreveu uma carta.
Terminava
assim,
“Quero que me imaginem sorridente, a
gesticular de entusiasmo e a desejar-lhe Boa Sorte, mesmo que por dentro esteja
imensuravelmente triste, mesmo que não o queira, correndo desvairado a
acompanhar os primeiros passos do comboio que iniciou já a sua caminhada
impiedosa. Aqui fora, quando corro para a última homenagem digo-lhe coisas sem
sentido, faço-lhe gestos obscenos para disfarçar a tristeza, brinco com um
lenço branco e finjo estar a chorar pela partida, pateticamente dou por mim a
galope como um cavalo selvagem que persegue aqueles que o tratam bem, na
certeza de que é isso que quero que ele guarde, a alegria de o ver partir para
sonhos mais altos, a minha confiança e orgulho que tive em trabalhar com ele e
a certeza de que tudo irá correr melhor ainda.”
Da minha
parte, foi um orgulho. Imaginem-me sorridente e feliz, como todos os dias em que aqui estive. Pois embora esteja imensuravelmente triste, espero partir
para sonhos altos e que tudo corra, se não tão bem, pelo menos de forma a não me arrepender.
Até sempre.
* Fernando Alvim
Carta aberta a Rui Unas
1 Coisas dos outros
Gostei imensamente deste texto, porque identifico uma historia proxima. Obrigada por partilhar!
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