O processo criativo também é um trabalho a tempo inteiro

Um dia gostava de escrever um livro. Na verdade até já combinei com a minha filha C. que ela irá ilustrar a história que criarmos em conjunto e que eu a escreverei. É um sonho a longo, longo prazo (quem sabe um dia?).

Mas na verdade neste processo tenho aquela convicção romântica de que o livro brotará naturalmente dos meus dedos, qual inspiração divina e talento natural. Sem esforço, como um dom. Não sentem isso em alguns livros? Que foram inscritos de assentada, num única inspiração? 

O meu homem tem-me dito ao longo dos anos que a criação artística é um trabalho como outro qualquer, com lágrimas, suor, dedicação, esforço. Com muita rejeição também. Mas tenho alguma dificuldade em ver as coisas assim porque a arte, a criação artística, parece-me sempre fruto de especiais capacidades dos seus autores e não de especial trabalho.

No entanto esta semana tive uma experiência curiosa sobre isto.

No curso de escrita que estou a fazer, todas as semanas temos um exercício para fazer. E o último exercício tinha por objectivo escrever o clímax de um texto que tínhamos produzido semanas antes. Como se no primeiro tivesse começado a criar uma história e no segundo fosse dar-lhe um twist. 

Ora, quando escrevi o primeiro texto, ainda não sabia que teria de o continuar mais à frente, ainda por cima em jeito clímax. Por isso isto foi particularmente difícil e sem qualquer antecipação - mas um desafio à séria, note-se! Andei às voltas com o texto vários, vários dias, na verdade umas três semanas se calhar. Mas de cada vez que me sentava em frente ao computador, avançava mais um bocadinho. A princípio nem se quer sabia como ia dar a volta à coisa; depois lá comecei com umas linhas, primeiro muito atabalhoadas, depois a ganhar algum sentido; e ao fim de vários dias de trabalho, tinha conseguido produzir qualquer coisa aceitável. Com isto quero dizer que - embora eu não tenha obviamente qualquer dom e por isso em mim o processo dificilmente fosse natural ou sem esforço, quais palavras a jorrar da fonte - na verdade só consegui fazer alguma coisa porque houve ali trabalho dedicado. Sentar um dia em frente ao computador e à folha branca, sentar dois, sentar três.. Foi um processo. E no fim o resultado foi bastante compensador. De onde quase (quase!) que me fio naquela máxima, 1% de inspiração, 99% de transpiração (ou something like that!). Quem sabe não haverá mesmo esperança para o livro?


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