Era uma vez uma linda menina (cof cof cof!) que escolheu para desposar um engenheiro. Confiando que o dito engenheiro saberia fazer contas e tabelas de excel, confiou-lhe a programação da data de nascimento do seu segundo filho. Foi com isto em mente que em casa da bela menina e do senhor engenheiro no início do também ele belo ano de 2017, se calculou a partir de certa altura que sim senhor já se poderia engravidar pela graça de Nosso Senhor, pois a criança já não nasceria no Natal.
Sucedeu no entanto que o feliz casal engravidou e mal se viu grávido percebeu que o risco de nascer no Natal ou Passagem de Ano era real. Engenheiro a falhar contas desde 1983 e menina capaz de pôr em causa a sua habilidade matemática.
Em teoria a coisa poderia até correr bem, isto é, o termo da gravidez (por termo entendam-se as 40 semanas) era no início de Janeiro, pelo que a nascer com 39 como a irmã mais velha, calharia pelo dia 29 ou 30 de Dezembro. Podíamos viver com isso.
A mãe, eu própria, suspeitava desde o início que a coisa se daria ali entre o Natal e Passagem de Ano e o tempo foi passando.
Quando chegamos a meados de Dezembro, comecei a ter alguns cuidados extra pensando que se a bebé nascesse depois de dia 21, já não passava o Natal em casa. Ora, tendo eu uma filha mais velha e adorando a época, dias 24 e 25 eram dias importantes para estar em casa.
Na consulta das 37 semanas perguntei ao meu médico se chegaria às 40. Ele, com o seu sentido de humor habitual, diz-me que com a saúde que tinha de certeza que chegava aos 80 (anos). Ah Ah Ah.
Decidimos entretanto que, n\ao obstante, melhor seria não fazer a consoada em casa nem o almoço de dia de Natal (ambos estiveram em cima da mesa como opções) porque por esta altura talvez eu devesse descansar e estar sossegada. Certo, menina bonita a cumprir tudo direitinho.
No dia 24 por volta do meio dia estava em casa com a C. porque o homem tinha ido buscar um bolo para levarmos para casa dos meus pais, a preparar-nos para um brunch com uns amigos quando a minha filha mais nova, aqui ainda na barriga, decidiu que queria vir ver o mundo, que isto do Natal é mais bonito cá fora e lá dentro não tem piadinha nenhuma.
Ligo ao P. a pedir que venha para casa. Ligo aos meus pais para me virem buscar a C. (moram a uns 40 Km de nós). Cancelo o brunch. E às quatro horas do dia 24 de Dezembro estamos a entrar no Hospital via urgências para ver que tal está a coisa.
Por esta altura já estava em trabalho de parto mas dizem-me, porque são imensamente queridos, que como é Natal podia ir para casa e estar quietinha que talvez ainda aguentasse a consoada em família. Muito bem. Vamos para nossa casa, sento-me no sofá, ainda tentamos ver um filme, mas a ideia de ter a C. em casa dos meus pais sem os próprios pais na véspera de Natal cá-me cabo do coração.
Ora o que fazem duas pessoas normais? Deixam-se estar mesmo assim, coração apertado e tudo, quietinhas? Não! Metem-se no carro para andar 40 Km (notar que da primeira gravidez foram 300, estamos a melhorar) e ver a filha.
No caminho estava já com imensas contrações com cerca de dez minutos de intervalo. Mesmo assim, entrei em casa dos meus pais, dando ainda à minha mãe a esperança de que tínhamos ido para a consoada, apenas para dar um abraço gigante à C. e informar a família que a miúda ia nascer. Mixed feelings de todos.
Ficamos meia hora com a C., o suficiente para as contrações passaram para intervalos de cinco minutos e metemo-nos no carro em direção ao hospital - mais 40 Km.
Demos entrada novamente no dia 24 de Dezembro pelas oito da noite, desta vez para ficar. Instalaram-nos na sala de partos à espera que o trabalho se fizesse, não sem antes oferecerem rabanadas e bacalhau ao P., e nos ligarem o rádio com playlists natalícias. Ali ficamos, os dois, entre o "oh meu Deus como é que isto aconteceu no Natal?" e o "oh meu Deus a nossa filha vai nascer!"
A espera fez-se bem, entre fotos da família e amigos a partilharem as suas ceias de Natal, a videos do meu irmão com a C. a divertir-se. Ao fundo ouvíamos a consoada dos médicos e enfermeiros, com vários brindes à mistura e eu a desejar que não bebessem em excesso porque alguém tinha de me tirar a criança de dentro.
Estamos entretanto já muito perto da meia noite e as coisas avançam de repente. Começo a sentir a pressão de um bebé que quer vir viver o Natal e entre parteira e enfermeiras a entrarem e saírem, sei que vai acontecer muito em breve. Preparam-se as coisas, a cama onde estou, a sala, luzes (câmara, acção) e a parteira manda-me fazer força. Tenho alguma esperança que seja tão rápido e indolor como da C. mas sinto que estou ali bem mais tempo e com algum esforço adicional. Ouço-a ainda a chamar a obstetra ("Queres fazer o parto? Então anda depressa que está quase a nascer!) A médica chega efectivamente, eu continuo a fazer força mas há alturas em que sinto que não vou conseguir. Há alguns gritos, confesso, há um morder da mão do P. (sorry babe!), há algum desconforto, não exactamente dor, mas mais do que estava à espera dada a experiência anterior. Sei que não estivemos ali mais do que quinze minutos mas parece-me muito tempo até que...
Pôr uma criança no mundo será sempre um milagre. O meu acaba de me nascer e passam quinze minutos da meia noite. È dia de Natal e a nossa prenda é real. Ouvir o choro dela é respirar de alívio e graças a Deus pela saúde. Tenho mais um coração a bater fora do meio e a prova de que o amor de mãe só multiplica. Fizemos mal as contas e nasceu mesmo dia 25 de Dezembro mas já não importa. Somos uma família de quatro a viver feliz no Natal e para sempre.