Coisas da vida?
Há estados, ou estatutos, que não penso ter nem alcançar. Há coisas que estão fora do meu alcance mas vivo bem com isso. Nunca serei multimilionária. Nunca vou ter as casas, os carros, os aviões, os luxos inexplicáveis de uma parte da população. Mas não há qualquer problema. Não os invejo nem tenho esses desejos. Tão pouco acho que mereço igual sorte. São "sonhos" demasiado altos e de resto nunca chegarei a esses patamares. Mas não olhos para eles pensando que isto é injusto. Não é. E as coisas são como são.
No entanto, há coisas que mereço, que tenho direito, que querê-las não é desejar de mais. É simplesmente o que deve ser. Por exemplo, se não tivesse comida para comer, achava-me ainda assim no direito de a ter. E o mesmo se diga da água, de uma casa para viver ou de semelhantes. Há coisas básicas e indispensáveis que não são sonhos altos. São o mínimo que merecemos ter e tê-los não é pedir muito.
Nesta lista devia entrar um horário de trabalho normal. Já nem me refiro aos privilegiados de sete horas e meia por dia. Horário normal em que, entrando às nove, se pudesse sair às seis ou seis e meia. Ocasionalmente e nunca por sistema, prolongar até às sete. Mas não mais. Não mais porque há vida para além do trabalho e isto não sou eu a não querer trabalhar. Sou eu a querer ser normal. Parecemos ser os únicos que nos esquecemos disto. Países há em que bateram as quatro e meia e mundo! Mas aqui não. Aqui somos pelo prolongamento do horário de trabalho até à exaustão. Mas não me digam que é o que deve ser. Que é aceitável entrar todos os dias às nove e sair depois das oito da noite. Não digam sobretudo que é pedir de mais ter um bocadinho de vida, porque não é. Já basta passarmos mais tempo a trabalhar do que a fazer qualquer outra coisa. Não é preciso matar todos os sonhos.
Damos connosco com este ritmo: acordar às sete e pouco, sair de casa às oito e meia, entrar no trabalho às nove ou antes, tirar quinze minutos para descer as escadas e comer qualquer coisa, trabalhar até às oito e meia, chegar a casa depois das nove para fazer o jantar, comer, arrumar, sentar para viver um pequeníssimo resto de dia mas ir dormir pouco depois das onze, para amanhã começar tudo outra vez. O fim-de-semana é uma miragem lá ao fundo mas passa a correr entre os milhões de coisas que fazemos porque não houve tempo nos dias úteis. E tiramos um dia de férias para ir às finanças, ao médico, à revisão do carro porque em dias de trabalho com estes horários é simplesmente impossível.
Acho que não é pedir de mais trabalhar oito horas e sair a tempo de namorar, de jantar, de tratar da casa, dos afazeres, de fazer outra coisa qualquer. Há mais vida para além disto e não é um sonho demasiado grande. Não é isto que queremos porque não faz sentido absolutamente nenhum. Estamos fartos, na verdade. Não me posso admirar quando o P. me diz que devíamos sair do país. Não se admirem também se eu aceitar.
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