Anda comigo ver os aviões
(Aviso à tripulação: este post dá mais uma volta ao mundo antes de chegar ao centro da terra).
Por alturas do Euro 2004, a partir de certo momento, coincidente talvez com o bom desempenho de Portugal ou quem sabe por força de um espírito bandeiristico que assolou as janelas do país, aqueles de nós que vão fazendo dessas coisas, começaram com os rituais. Vamos chamar-lhes assim por ser superstição uma palavra muito forte. Cada um contribuía com o que podia e pensávamos que se naquele jogo em que ganhamos 2-0 fizemos A, B e C, agora neste próximo que nem nos passe pela cabeça fazer diferente. E era ver os jornalistas com as mesmas gravatas, os entendidos com as mesmas canetas, a equipa técnica com a mesma camisa, eu com uma mesma peça de roupa, naquele mesmo sítio, sentada ou a pé com as mesmas pessoas. Acho que isto não se explica, esta sensação de contribuir com algo, com uma pequeníssima coisa para alcançar um objectivo maior que, em boa verdade e sejamos sinceros, não depende absolutamente nada de nós.
Isto posto.
Já aqui falei, creio, do absoluto pânico que tenho de andar de avião. O "problema" é que adoro viajar, entendido como estar nos sítios e não como forma de lá chegar. Como adoro viajar, sempre que marco a próxima viagem estou absolutamente entusiasmada mas chegando dois ou três dias antes "o que é que fui fazer à minha vida?". E estou enjoada, com dores de barriga, em forte nervosismo, estados que se intensificam para vómitos e tremores constantes durante o voo propriamente dito. Não gosto, pronto. E nem me digam que é o meio de transporte mais seguro. Prefiro o carro ou o barco. Tenho aquela ideia romântica de que no fundo sei andar e nadar mas voar, zero, por isso tragam-me a terra ou a água. Acabo sempre a viajar no ar, bem se entenda, mas adiante.
Tenho os meus rituais de voo, de que não abdico, naquele sentimento de contribuir para o grande propósito de chegar sã e salva ao destino. Assim sento-me, aperto o cinto, agarro a mão do P., fecho os olhos e assim vou. Não como, não falo e tento não me mexer mais do que a minha inquietação obriga. O P. vai falando comigo e grunho uns sons, literalmente. Louvo-lhe imensamente a paciência porque sou um ser intratável dentro de um avião. Viro bicho. Depois há a outra parte, do descontrolo. Tremo dos pés à cabeça e às vezes choro. Toda eu viro um sistema nervoso gigante em estado de pulgas e porto-me mal. Não é bonito de ser ver, não senhora. Mas não consigo evitar e vou mesmo em sofrimento. De tal forma que penso sempre que para a próxima tomo um calmante (como não uso esse tipo de coisas, faria por certo bastante efeito). Mas depois o tempo até à próxima viagem passa, eu esqueço-me do que custou (não é assim a memória?) e na viagem seguinte começa tudo outra vez.
Bom, não desta vez.
Três dias antes da partida já andava em indisposição. Em conversa com amigos, falaram-me maravilhas de um produto natural e decidi-me por ele. No dia e hora, quarenta minutos antes da partida, duas pastilhinhas brancas.
Primeiro pensamento depois de me sentar no avião: se nunca tomei remédios para isto e correu sempre tudo bem, será que os comprimidos vão alterar a mecânica? Me-do!
O ser humano eu é muito estranho.
E tudo isto para dizer no fundo que já fui e voltei da Dinamarca. E que adorei!
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