No sítio onde eu trabalho há algumas regras sobre gravidez e filhos. Não vou dizer que o seu incumprimento dá lugar a processo disciplinar com direito a despedimento com justa causa, mas vamos dizer apenas que estas regras foram das primeiras coisas que me ensinaram no dia em que cheguei. São válidas para todos e fizeram questão de mas explicar direitinho, tendo em conta o meu género e condição.
De forma resumida, o "direito a engravidar" tem ordem de prioridade bem definida. Quem se quiser propor a exercê-lo deve informar o superior. Se estiver dentro do tempo certo, óptimo, ganha a vez; caso contrário, aguarda o fim do período de carência que for fixado. Este período é definido tendo conta as grávidas em fila de espera, de forma a garantir que nunca estão duas pessoas fora ao mesmo tempo por este motivo. Trocando isto por miúdos, cada uma deve garantir que apenas engravida quando já não há risco de a licença de maternidade coincidir com alguma licença anterior. Devem assegurar-se por isso intervalos de cinco ou seis meses. Foi nesta lógica que uma colega foi de licença em Julho e regressou em Janeiro, outra colega foi em Fevereiro e regressa em Julho e há uma outra que irá em Agosto para regressar em Fevereiro do próximo ano.
O fundamento desta regra não é de todo incompreensível. Quem tem uma equipa para gerir tem preocupações a este nível, neste caso agravadas por um grupo essencialmente feminino em idade de ter filhos. É por isso que, mesmo tendo eu os direitos laborais bem presentes na minha vida, não julgo em absoluto esta política organizacional e tendo a tentar compreendê-la.
Tudo poderia estar aliás relativamente bem, não fosse isto representar uma ligeira intromissão na vida privada. Perguntam-me com que legitimidade querem decidir quando e como engravido e se tem algum sentido uma política que me obriga a pedir por favor para ter a minha vez. Eu aceito estes argumentos. Aceito todos os argumentos, na verdade, e é por isso que chegamos até aqui.
A minha gravidez é, como fizeram questão de me dizer, "um erro de calendário", um "incumprimento da política." Isto significa basicamente que faço menos do que cinco meses de diferença da colega que estava na fila antes de mim e que por isso estaremos as duas fora cerca de três meses.
Gostaria de ter evitado esta sobreposição. A realidade é que as coisas aconteceram efectivamente de forma mais rápida do que tínhamos pensado. E por isso há duas grávidas em simultâneo nesta equipa.
Foi por este motivo que me foi pedido que até novas indicações escondesse a gravidez no trabalho. Foi o que fiz de Janeiro a Maio. Falar do assunto nem pensar, usar roupa justa, fora de questão. E estes quase cinco meses a esconder criaram em mim a convicção de ter feito uma coisa muito má, de ter quase cometido um crime, de "o que é que tu foste fazer?"
Isto, sem que eu quisesse, casou-me uma marca mais forte do que gostaria.
Passo o dia inteiro no trabalho e mesmo depois de ter começado a ser público, sinto-me constrangida. De tal forma que, inconscientemente, quase justifico a gravidez com um "... mas foi mais depressa do que contávamos." Dou comigo a continuar a usar roupa larga (e a parecer um grande saco de batatas) para ir garantindo que o espalhar da notícia é controlado.
Isto é tão estúpido quanto doloroso, custa-me e deixa-me frustrada. Fora do trabalho adoro a minha gravidez, adoro a minha barriga e só não ando com ela exposta porque está frio e tenho noção do pudor. Fora do trabalho sou imensamente feliz com o meu estado. Mas quando lá estou, sinto uma pressão enorma, quase culpa.
Não ajuda dizeram-me que vai ser o fim do mundo quando estivermos as duas fora, que o circo vem a baixo, que não sabe quem fica como se vai aguentar. Fazem-me sentir culpada, quando tudo o que devia sentir era alegria vinte e quatro horas. Não ajuda também o trabalho ser o sítio onde mais tempo do dia passo porque cá fora a vida é imensamente mais feliz.
Gostava de afastar estes pensamentos mas não sei como se faz. Ninguém me preparou para sentir peso na consciência no dia em que o teste desse positivo. Sonhei a vida toda com isto e toda eu era felicidade. Conscientemente, sei que ninguém no mundo tem o direito de estragar este momento. Mas inconscientemente, o fim-do-dia e os fins-de-semana são cada vez mais desejados, para ter uma oportunidade de ser verdadeiramente feliz.