Na literatura e cinema (só para
dar dois exemplos), a madrasta vem sempre tratada com uma carga negativa
brutal. Representa tudo de mal e pior, uma força negra, manipuladora, má. Acho
que nem só porque em detrimento da mãe, se uniu ao pai e não gosta dos
enteados. Mas geralmente, precisa de se impor, de impor autoridade que não tem
naturalmente pela ausência de laços familiares ou porque aparece em momentos de
alguma tensão. Certamente, a psicologia explica e eu não sou psicóloga.
Na nossa vida há uma madrasta que
representa o estereótipo das madrastas (só não tem cabelos e roupas pretas).
Mas é uma pessoa que se impõe (não no bom sentido), intrometida, abusada, sem
limites. Faz comentários e observações e tem comportamentos que mais ninguém
tem e não me é nada. Não há qualquer laço familiar ou de afinidade. Podia ser
uma estranha.
Tenho assumidamente (em casa; não
publicamente) um problema com ela. Que vem do dia em que a minha filha nasceu
(já lá vamos). Tem o dom de me fazer sentir má mãe mas de me oprimir totalmente.
No fundo eu tenho consciência de que a culpa é minha; não estabeleci os limites
quando devia. Mas o dia em que devia ter estabelecido limites, estava demasiado
ocupada em pós-parto e totalmente invadida por hormonas. Não tinha
discernimento, nem presença de espírito e isso foi o meu problema.
Dia de saída do hospital. Estamos
felizes porque vamos finalmente para casa com o nosso bebé, sonhamos com aquele
dia, temos uma roupa especial preparada, é tudo maravilhoso. Mas há hormonas,
inseguranças, uma boa camada de nervos. Passamos uma manhã tranquila os três
(finalmente sozinhos!) naquele quarto de hospital. E no fim de almoço tivemos
alta. Estava a dar de mamar para sairmos e a madrasta entrou pelo quarto. Não
tinha sido convidada. Nem a minha mãe lá foi nesse dia! Mas entrou como se
fosse a pessoa mais próxima de nós na história das pessoas próximas e
arrancou-me a C. do colo (que estava a mamar). Porquê?
A seguir eu fui enfiar umas
calças e uma t-shirt na casa de banho, porque o quarto estava ocupado, e quando
regressei ela tinha decidido que roupa ia vestir à MINHA filha e estava no
processo de acabar de o fazer. Aquilo atingiu-me como um estalo na cara.
Pode parecer estupido, pode
parecer um exagero. Queria ter sido eu a decidir a roupa com que a minha filha
ia sair do hospital e íamos para casa. Não era só uma roupa. Ficou-me marcado
esse momento mas na altura não tive reação. Não disse absolutamente nada e foi
aqui que me perdi.
Desde esse dia que ela se sente
no direito de opinar sobre tudo e sobre nada e de me criticar em todas as
decisões. Que devia dar de mamar assim e não assado (ela que não teve filhos e
nunca amamentou), que devia pegar assim e não assado. Que visto casacos, que
dispo casacos, que dou de comer isto, que não dou aquilo. Dá para perceber o
género?
Além disso, sente-se no direito
em relação a tudo. Se a minha mãe e a minha sogra quando na presença dos pais,
perguntam sempre o que queremos antes de fazer (se ela pode comer uma bolacha,
por exemplo, se pode repetir a dose, se podem dar uma fruta, se será altura de
ir dormir), esta senhora acha que manda mais do que nós. E decide pela cabeça
dela. Cose e prega. E eu viro bicho, juro que viro, mas tenho uma força
limitadora que vem não sei de onde que me impede de a pôr no lugar dela.
Obviamente que isto dificulta bastante a nossa convivência. Fico em estado de
alerta e com nervos à flor da pele quando sei que vamos estar juntas. E depois
os comentários dela conseguem-me sempre surpreender.
Primeiro, é do género de estar a
fazer qualquer coisa que sabe perfeitamente que eu não gosto e de dizer à C. (comigo
ao lado) que “a tua mãe vai-nos bater”. Se sabe que eu não gosto / não deixo,
porque é que o faz e, para além disso, porque ainda diz por cima que eu me vou
chatear ou bater quando a) a minha filha percebe perfeitamente o significado de
ficar chateado com e b) nunca na vida lhe encostamos um dedo?
Depois é a crítica à educação, em
geral.
A C. adora livros. Tem uma
colecção enorme e é uma coisa de que gosta imenso, ler, folhear livros, ouvir
histórias. A senhora deu-lhe outro dia um livro e disse – cito – “para ver se a
menina começa a ler alguma coisa de jeito.”
É o tom, a superioridade, o
desprezo. Gostava de estar em paz com isto mas se calhar é uma coisa animal;
não estou. Tem até piorado, estou em crer. Ou a minha tolerância está a
diminuir com a idade.
O ano passado comecei a ter pesadelos de que ela ficava
sozinha com a C. (nunca aconteceu!) e que quando eu regressava ela lhe tinha
furado as orelhas. Não pode ser bom sinal.
Nos livros e no cinema, as
madrastas são postas em caldeirões ou no forno ou alvo de outro destino
qualquer. Na vida real, não sei como se faz. A minha amiga A. diz que tem de cá
vir para a pôr no sítio dela (porque claramente eu não estou a conseguir) e
isso seria melhor que um final feliz de um filme. Infelizmente, não vai
acontecer. Sei que lhe devia explicar que não admito que se meta na educação da
minha filha e que se tem de por no seu lugar mas também sei que não o vou
fazer. A única ideia que tive – e talvez venha a pôr em prática – é comprar
esta peça de roupa e vesti-la à C. sempre que estejamos com ela: