Baptismo de mergulho ou a near death experience

Sábado, 6 de Julho de 2013
09.30 h
Portinho da Arrábida
Setúbal, Portugal

A ideia era boa: baptismo de mergulho como forma de celebração de um ano de casados. A iniciativa foi minha, que ingenuamente acreditei que só podia ser em grande. Não foi.

Breve explicação sobre os procedimentos. Qualquer coisa sobre pesos à volta da cintura, válvula para encher e esvaziar o colete. Polegar para cima significa "tirem-me daqui" e não "está tudo bem." Debaixo de àgua há pressão, qualquer coisa como "descompensar os ouvidos com o nariz" (what?!). Mergulho for dummies e siga vestir o fato. Um à parte para dizer que abri dois dedos a puxar o dito e que as feridas ainda cá estão a recordar.

Ok, tudo certo. Carrega material, entra no barco. Eu a ver um peso bruto de tralha e a pensar como é que algum dia eu havia de conseguir arcar com aquela tonelada (não esquecer os meus braçinhos de papel) mas tudo em paz. Viagem mar fora, qual quê de começar junto à costa, e quando já tínhamos saído da zona económica exclusiva de Portugal acharam por bem parar. Baixar âncora e parar.

Primeiro passo: cuspir para a máscara. Ora bem, eu sou um homem em vários aspectos, não me interpretem mal. Mas não me peçam para cuspir, que sou menina para ter um ataque. Pior que florzinha. Vai daí que me valeu o homem, benz'a Deus, mas não entremos em pormenores.

Passo seguinte: montar em nós todo o equipamento. Começa por um capuz que vem dar ao pescoço e é um sufoco. Depois cinto de pesos, literalmente. Depois mochila com garrafa, "que não é bilha porque bilha é - tapa os ouvidos, dizem-me - o rabo das mulheres", barbatanas, óculos, a tal da máscara, depois sentar na beira do barco, um, dois, três, deixar cair para trás.

Primeira dificuldade: o peso. Esta parafernália de coisas pesa desalmadamente e eu, que não sou propriamente pequena, franzina ou fracota, vi-me aflita para o suportar.

Ainda assim, o grande, enorme, gigante problema foi respirar com a máscara. Mas que ideia peregrina é essa de respirar pela boca? Não gosto! E não sei, sobretudo. Nos minutos que nos deram para estar ali à tona em habituação ao campo e ao fato, não consegui respirar convenientemente e passei o tempo a aldrabar. Nem me venham com pendências na respiração e que é igual e o diabo a sete porque respirar é pelo nariz e acabou.

Adiante.
As enormes dificuldades respiratórias e a aldrabice constante a tirar a máscara e o tubo começaram a deixar antever que o mergulho em si não seria grande empreitada. Está bom de ver que a regra número um é "não tirar o  tubo" já que sem ele, basicamente apenas duramos o tempo em que aguentarmos a suster a respiração.

À parte deste pormenor, a preparação para a descida começa por carregar num botão da válvula de ar para o colete emagrecer enquanto que o peso bruto do equipamento e cinto de pesos nos fazem descer. A ideia é boa, juro.

Passou-se no entanto que, por má execução do processo respirar, faltou-me em absoluto o ar e executei uma dessas cenas de filmes de terror: entrei em pânico, comecei a esbracejar, a mexer tudo e - ideia brilhante! - a arrancar de mim a máscara, os óculos e - golpe de génio! - o tubo da respiração. Não me lembro de apanhar um susto tão grande na água. Foi um momento de desespero em que pensei que serviria de comida aos peixes. Dizem que ali há polvos, está-se mesmo a ver. Uma experiência péssima que só terminou quando os dois amigos companheiros de mergulho me agarraram, puxaram para a superfície e gentilmente me carregaram mar fora até ao barco, sob a minha respiração ofegante (curiosamente nesta fase, pela boca) em busca de um bocadinho de ar. Me-do.

Recuperada do susto (mentira, mas foi necessário fazer de conta), fui obrigada a uma segunda tentativa, mais perto do barco (naturalmente que apenas para conforto dos dois amigos que por esta altura me tinham em primeiro lugar da lista negra), desta vez em baby steps. Na prática isto apenas quer dizer que avançamos ligeiramente mais devagar. Não quer dizer, para mal dos meus pecados, que tivéssemos avançado para a costa, nada disso. Ficou tudo exactamente no mesmo sítio, só com o barco mais à mão e só mais devagar.

Nesta fase dois o amigo companheiro já não me podia ver, pois todo um mundo acontecia debaixo de água e eu ali a atrapalhar. A sua incursão no meu baptismo de mergulho limitou-se por isso a agarrar-me os braços e vamos embora, tendo desistido à minha segunda investida de polegar para cima "tirem-me daqui." Percebi neste momento o conceito da "compensação com o nariz da pressão dos ouvidos" percebendo igualmente que devia ter estado mais atenta na parte da formação. Pois bem, terminada a brincadeira, içada para dentro do barco  e estou baptizada.

Enquanto isso, senhor meu marido passeava alegremente debaixo das águas puras e cristalinas do oceano atlântico, contentinho da vida, desconhecendo por completo o meu face to face com a morte por afogamento (que é rápida e silenciosa - lembram-se do urso afogado? Aquilo foi coisa para me marcar a infância). Dentro do barco o meu novo amigo ia comentando que ali estavam eles, os mergulhadores fortes e destemidos, e não pequenos ratos como eu, a cinco metros, a oito metros, a não sei quantos metros.

O que importa realmente é que o homem gostou, que eu nestas coisas sou muito democrática e amigo não empata amigo. E que eu sobrevivi para contar. Mas a partir de agora, mergulhos só na banheira!


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