Ao 54º dia da quarentena
A partir de agora creio que já não se poderá falar de quarentena mas continuaremos em casa. Hoje, faz 54 dias.
Ao fim de 54 dias ainda gostamos uns dos outros e as minhas filhas estão apaixonadas. Apaixonaram-se uma pela outra e é um amor sem fim, com direito a tudo o que o amor tem, incluindo zangas e gritos. Um dia destes quiserem ficar as duas na cama da C., a I. do lado encostado à parede e a C. do lado de fora. De repente ela pergunta: "porque fiquei eu do lado de fora?" E responde imediatamente à sua própria pergunta: "ah, claro, já sei, foi para proteger a minha irmã de cair." Se isto não é amor...!
A I. já diz tudo e tem um piadão monumental. Criamos o "pérolas da I.", que é o sítio onde escrevemos tudo o engraçado que ela diz. Fala imenso, faz as falas do bonecos, adora a patrulha pata e emita todos os cães. Fez amizade com uma aranha bebé que passou em cima da mesa (blergh!) e está sempre a perguntar pela aranha, que "está la fora, tadinha da aranha". Tem medo do cotão das meias que fica preso nos dedos dos pés e acaba a boiar na banheira e temos de tirar logo porque nem se consegue sentar, tal o medo. Continua malandra e faz asneiras mas perdoamos-lhe porque tem graça.
À semelhança do que dizia há tempos uma blogger, está a crescer um pouco como uma erva daninha porque todos temos obrigações cá em casa (o trabalho, a casa, a escola) e ela é livre e desimpedida. O que faz com que às vezes sofra um pouco de falta de atenção mas estamos a dar o nosso melhor. Acho que o maior desafio é encontrar o equilíbrio.
A C. continua feliz da vida por estar em casa, com pais e irmã vinte e quatro horas por dia. Se a pequenina pede bastantes vezes para ir lá para fora para o pátio (ou mesmo "dar uma voltinha" ao quarteirão), a C. é preciso ser convencida a sair. Gosta das coisas, dos sítios dela, dos brinquedos. Em casa, está maravilhoso. Neste tempo já produziu pelo menos novecentos e setenta desenhos e espero no fim disto juntar todos e fazer um livro. Diário de uma quarentena em desenho. Não que ela expresse na arte qualquer manifestação de corona vírus, nem se lembra que isso existe; mas porque todos os desenhos têm corações, arco-iris, pessoas felizes e muita cor. A propósito de um desafio de escrita que tive, perguntei-lhe qual era a palavra que ela mais gostava no mundo e a resposta foi: amor. E isto diz tudo dela.
Já o P. balança nesta quarentena entre afirmar que "hoje vou ter um dia calmo" e "hoje o dia vai ser um caos" mas fica tudo só nas palavras porque todos os dias da vida dele são uma loucura. Entra no escritório às nove e sai as oito, para voltar muitas vezes depois de jantar. Está todo o santo dia em reuniões e o ritmo é alucinante. De vez em quando entra na sala para respirar cinco minutos e segue tudo outra vez, troca o disco e toca o mesmo. Desenhamos um cartaz que diz "já chega de trabalhar" que quando nos parece estar a ultrapassar os limites, colamos no vidro da porta do escritório. Mas não tem resultado. Venham as férias!
Eu continuo a fazer listas e regras e horários que procuro mesmo cumprir mas percebi que geram alguma frustração quando não consigo. Desenhei um horário com as aulas da C. e as horas livres e de trabalho, que naturalmente não se consegue cumprir com rigor, e acabo o dia frustrada porque ela devia ter estado a fazer actividades às três mas eu tive uma reunião e ela ficou a jogar consola. Estou sempre a tentar convencer-me que não faz mal, é mesmo assim, uns dias são melhores, outros mais confusos. Pelo menos até hoje nunca faltou sopa na mesa!
No campo das lides de casa, comecei a quarentena a querer limpar tudo de dois em dois dias e hoje percebo que foi uma loucura absoluta. Perdi dois quilos e é fácil ver porquê. Sentia imensa ansiedade com tudo e nem conseguia comer. Agora estar em casa parece normal (já lá vamos) e conseguimos afinar um calendário de limpezas que funciona melhor (e garante higienizarão!) Fazemos uma grande limpeza ao sábado ou domingo de manhã, onde tiramos todos os tapetes, aspiramos tudo, limpamos o pó, passamos esfregona em toda a casa, limpo as casas de banho, escadas, andar de baixo, dou um jeito aos vidros, mudamos camas, lençóis, etc. E depois durante a semana há um dia em que aspiro tudo e se limpa o pó, há um dia para as casas de banho e um para passar esfregona. Passar a ferro tem sido sempre que é preciso, deixou de haver dia fixo - mas nunca é menos de duas vezes por semana. A sopa é feita para dois ou três dias. As refeições faço todos os dias, almoço e jantar, com a variedade que a minha imaginação ainda permite mas sempre (sempre!) apoiada na ementa semanal que faço religiosamente. Todos os dias também, sem excepção, fazemos as camas, arrumamos roupa, brinquedos e mesas de trabalho. A organização (mínima, pelo menos) é essencial ao equilíbrio.
Ao fim de 54 dias estarmos os quatro em casa parece o mais fácil no meio disto tudo. Sair vai ser na verdade o grande desafio. Aqui sentimo-nos protegidos e a nossa vida é normal. Dá-mos abraços e beijos e não há distanciamento social nem etiquetas respiratórias. Somos sem preocupações desse nível. Enfrentar o mundo parece agora muito mais assustador do que estar preso e isto em si também assusta um pouco. As palavras de ordem são para lembrar que é um dia de cada vez.
À semelhança do que dizia há tempos uma blogger, está a crescer um pouco como uma erva daninha porque todos temos obrigações cá em casa (o trabalho, a casa, a escola) e ela é livre e desimpedida. O que faz com que às vezes sofra um pouco de falta de atenção mas estamos a dar o nosso melhor. Acho que o maior desafio é encontrar o equilíbrio.
A C. continua feliz da vida por estar em casa, com pais e irmã vinte e quatro horas por dia. Se a pequenina pede bastantes vezes para ir lá para fora para o pátio (ou mesmo "dar uma voltinha" ao quarteirão), a C. é preciso ser convencida a sair. Gosta das coisas, dos sítios dela, dos brinquedos. Em casa, está maravilhoso. Neste tempo já produziu pelo menos novecentos e setenta desenhos e espero no fim disto juntar todos e fazer um livro. Diário de uma quarentena em desenho. Não que ela expresse na arte qualquer manifestação de corona vírus, nem se lembra que isso existe; mas porque todos os desenhos têm corações, arco-iris, pessoas felizes e muita cor. A propósito de um desafio de escrita que tive, perguntei-lhe qual era a palavra que ela mais gostava no mundo e a resposta foi: amor. E isto diz tudo dela.
Já o P. balança nesta quarentena entre afirmar que "hoje vou ter um dia calmo" e "hoje o dia vai ser um caos" mas fica tudo só nas palavras porque todos os dias da vida dele são uma loucura. Entra no escritório às nove e sai as oito, para voltar muitas vezes depois de jantar. Está todo o santo dia em reuniões e o ritmo é alucinante. De vez em quando entra na sala para respirar cinco minutos e segue tudo outra vez, troca o disco e toca o mesmo. Desenhamos um cartaz que diz "já chega de trabalhar" que quando nos parece estar a ultrapassar os limites, colamos no vidro da porta do escritório. Mas não tem resultado. Venham as férias!
Eu continuo a fazer listas e regras e horários que procuro mesmo cumprir mas percebi que geram alguma frustração quando não consigo. Desenhei um horário com as aulas da C. e as horas livres e de trabalho, que naturalmente não se consegue cumprir com rigor, e acabo o dia frustrada porque ela devia ter estado a fazer actividades às três mas eu tive uma reunião e ela ficou a jogar consola. Estou sempre a tentar convencer-me que não faz mal, é mesmo assim, uns dias são melhores, outros mais confusos. Pelo menos até hoje nunca faltou sopa na mesa!
No campo das lides de casa, comecei a quarentena a querer limpar tudo de dois em dois dias e hoje percebo que foi uma loucura absoluta. Perdi dois quilos e é fácil ver porquê. Sentia imensa ansiedade com tudo e nem conseguia comer. Agora estar em casa parece normal (já lá vamos) e conseguimos afinar um calendário de limpezas que funciona melhor (e garante higienizarão!) Fazemos uma grande limpeza ao sábado ou domingo de manhã, onde tiramos todos os tapetes, aspiramos tudo, limpamos o pó, passamos esfregona em toda a casa, limpo as casas de banho, escadas, andar de baixo, dou um jeito aos vidros, mudamos camas, lençóis, etc. E depois durante a semana há um dia em que aspiro tudo e se limpa o pó, há um dia para as casas de banho e um para passar esfregona. Passar a ferro tem sido sempre que é preciso, deixou de haver dia fixo - mas nunca é menos de duas vezes por semana. A sopa é feita para dois ou três dias. As refeições faço todos os dias, almoço e jantar, com a variedade que a minha imaginação ainda permite mas sempre (sempre!) apoiada na ementa semanal que faço religiosamente. Todos os dias também, sem excepção, fazemos as camas, arrumamos roupa, brinquedos e mesas de trabalho. A organização (mínima, pelo menos) é essencial ao equilíbrio.
Ao fim de 54 dias estarmos os quatro em casa parece o mais fácil no meio disto tudo. Sair vai ser na verdade o grande desafio. Aqui sentimo-nos protegidos e a nossa vida é normal. Dá-mos abraços e beijos e não há distanciamento social nem etiquetas respiratórias. Somos sem preocupações desse nível. Enfrentar o mundo parece agora muito mais assustador do que estar preso e isto em si também assusta um pouco. As palavras de ordem são para lembrar que é um dia de cada vez.
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