Carta aberta. À minha filha que faz dois anos.
C.,
Podia assinalar os teus dois anos com uma descrição de tudo o que me fazes sentir, deste amor enorme, de um coração que bate fora do peito desde aquele segundo em que o médico te pôs no meu abraço. Deste amor maior.
Mas depois, se pensar bem, quando quiser recordar estes dois anos, não vai ser disso que não me vou lembrar. Este amor é para sempre. A minha memória não. Aquilo que agora tenho de cor, vai ficar desfocado com o tempo e por isso o que nunca mais quero esquecer é que..
Com dois anos dizes tudo.
Falas como um papagaio, repetes o que ouves, crias frases compridas ("Qual é o outro brilha brilha que dá no telefone do L. em G."), tens sempre resposta ("C., porque é que falaste pouquinho na casa do ZD?" - "Porque tenho a boca muito pequenina"), explicas-te lindamente. Falas ao telefone como gente grande. És muito expressiva e descreves tudo o que vês, geralmente começando a frase com "Olha.." Nunca estás calada e se não souberes o que dizer, inventas.
Com dois anos já não usas fralda.
Deixaste as fraldas com pouco mais de um ano e meio e depois de algumas semanas de incidentes, o desfralde de dia foi um sucesso. Pedes para fazer e se não quiseres dizes que "não quer xixi, já fez"
Com dois anos continuas a só querer chupeta para dormir.
Mal acordas já "não quer pepé" e fazes logo o favor de a entregar a quem estiver mais próximo.
Com dois anos comes sozinha
Adoras comer de tudo e já só te damos a sopa; a comida tratas tu dela. Pedes mais ou dizes que "não quer mais, está cheia". Adoras esparregado e podia ser esparregado todos os dias.
Com dois anos continuas a não ser a maior fã de andar de carro mas já é mais pacífico. Se queres ir embora de algum sítio, és bem capaz de pedir para ir "dormir no popó do pai"
Com dois anos adoras sair de casa.
Passas o dia a pedir para ir à rua e geralmente queres levar meia dúzia de brinquedos que depois alguém que não tu carrega.
Com dois anos perguntas se podes fazer asneiras.
Se há alguma coisa que te parece que provavelmente não podes fazer, perguntas antes "Posso..?", embora a faças independentemente da resposta. És muito malandra mas as asneiras não são tantas assim. Às vezes o desafio é contermos o riso.
Com dois anos contas até dez e reconheces alguns números quando os vês (o cinco da nossa casa, o um..)
Com dois anos sabes algumas cores, especialmente o azul e cor-de-rosa que identificas bem
Com dois anos sabes o nome de todos os teus bonecos, dos livros, das histórias, dos animais (até o cavalo marinho e o caranguejo).
Com dois anos cantas imenso. Adoras as músicas do Panda que estás sempre a pedir para ouvir e acompanhas partes das letras. As mais cantadas têm de ser "o rockstar do Panda", a "Olá, olá" (música dos 20 anos do canal Panda) e a "Brilha, brilha", que cantas lindamente
Com dois anos reconheces toda a nossa família e amigos em fotografias (e ao vivo obviamente) e associas perfeitamente as ligações entre eles (os irmãos, os pais). Sabes quem te deu todas as coisas que tens. Chamas os avós pelo nome em vez de por avó ou avô (à excepção da "vóvó N.") e a mãe por "mamã A."
Com dois anos continuas a adorar o Panda, mas há amigos que te acompanham para todo o lado: o Dói-Dói, João, Zé-Zé, Riscas, Pintas, Crocas, Pópotamo, Ruca, Tó.
Com dois anos adoras ler livros e ver as revistas do Panda, Ruca, "ron ron" Peppa. Fazer comidas, Fazer chá e café. Mexer em água seja sob que forma for. Jogar à bola. Gostas de tomar banho mas não de lavar ou secar o cabelo. Adoras a praia, andar de baloiço e escorrega. Brincas com todos os brinquedos, imitas vozes dos bonecos a responder às perguntas que fazes, lês-lhes histórias e deita-los a dormir.
Com dois anos já não choras no pediatra mas ficas com beicinho. As duas últimas constipações curaste sozinha. Já sabes assoar o nariz. Quando entramos num parque de estacionamento subterrâneo dizes que "não quer tum-tum" (médico. Explica-se pelo barulho que faz a ouvir o coração)
Com dois anos continuas a não ver praticamente televisão, salvo uma vez por semana um ou outro episódio do Noddy que canta "o quê, quando, onde" na "tisião" e adoras.
Com dois anos sabes o teu nome, quantos anos tens e que vives no "Porto"
Com dois anos queres adormecer todos os dias no "có mamã" à noite. Queres fazer quase tudo sozinha e só dizes "não consigo" em último recurso. Em geral, "a C. consegue."
Com dois anos, agarras-te às nossas pernas e dizes que "é muito amiga da mãe" ou "gosta muito do pai" e nós derretemos um bocadinho. Às vezes dizes que a "mãe é muito linda" e se te disser que a C, é que é linda, dizes que são "as duas!"
Com dois anos já percebes que quem faz anos hoje és tu e que mais logo vamos cantar os "Parabéns" com "todos os amigos".
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Carta aberta C.
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