Às tantas entrei na igreja. Por obrigação mais do que necessidade, que ainda não encontrei esse consolo. Mas vi-a. É engraçada a fé, a devoção.
Quando cheguei à capela estava metade cheia; ou talvez eu pudesse dizer que estava metade vazia, mas admirei-me com o grande número de pessoas que ali estava. Decidi voltar mais tarde.

Três horas depois encontrei quatro pessoas apenas, de todas as que lá estiveram, uma das quais regressava já da confissão. Das restantes, duas choravam como se a vida estivesse para acabar a qualquer momento. Talvez estivesse, não perguntei. Confesso que o sistema não funciona na perfeição já que em substituição do confessionário fechado de madeira, foi colocada na parte lateral do altar uma mesa com duas cadeiras, uma em frente à outra, de tal forma que não se pode evitar ouvir algumas das coisas que são ditas em confissão. Um deles não conseguia deixar em casa o vinho, fazendo-se acompanhar sempre (embora não naquele momento) de uma garrafa. A outra senhora, a que chorava mais, mantinha em segredo uma relação com um homem casado. Na verdade, pensei que ali estivesse por uma doença grave, um falecimento, uma grande crise (ainda que nenhuma destas conduza necessariamente a um pedido de perdão). Mas não. Era um caso extraconjugal. 
Em ambos os casos a "sanção" pelos "pecados" foram umas rezas encomendadas, em maior ou menor número consoante a perspectiva da gravidade.

Durante várias horas, o sacerdote que ali está ouve as confissões, os problemas, as angústias, os pecados cometidos ou imaginados de uma grande parte da cidade. Durante aquelas horas, assume o papel de amigo, psicólogo e juiz. Ouve e perdoa, sanciona e alivia. E por momentos as pessoas podem respirar fundo e regressar às vidas que deixaram ali à porta, com o problema resolvido, ou quase. Talvez aqui resida grande parte do fascínio que rodeia a fé: na capacidade de perdoar e seguir em frente, na sensação de alívio, na palavra amiga, na compreensão, mesmo no perdoar dos crimes para quem os comete sem que mais ninguém saiba. Não deve ser fácil esta missão de quem está encarregue de libertar a multidão dos pretensos pecados, mas sem dúvida que opera verdadeiros milagres, que hoje consegui ver. Vi o desespero daquelas pessoas, em choro desalmado, aparentado de morte ou tragédia, que se resolveu com umas palavras de calma e duas ou três orações. Especialmente fascinante, este lado da fé.

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