A minha filha mais nova

Os filhos mais novos nunca têm o direito ou privilégio de serem filhos únicos. Mesmo que façamos o dia do filho único, mesmo que tentemos com todas as nossas forças que se sinta único. Não é. Nunca vai ser. Pode ser o filho mais novo, eventualmente vir a ser filho do meio. Mas nunca nenhum outro terá o tempo de graça de ser só ele.

Nisto de ter tido uma segunda filha, acho que esta é a parte mais difícil, aceitar que ela nunca terá a atenção e tempo da primeira. Fazer as pazes com o lhe dar menos atenção. Aceitar que o tempo dela é dividido pela irmã e geralmente ela fica a perder. É duro. Passaram dois meses e meio e o peso na consciência continua o mesmo. 

A minha filha mais nova é possivelmente a bebé mais querida de que há memória. É tão sossegada, tão calma, tão pacífica. Ri-se imenso. Já faz os sons deliciosos dos bebés a quererem começar a palrar. Se não tiver fome, dores ou fraldas sujas, pode muito bem ficar deitada no berço, só assim. Outras vezes só quer companhia. Em todos os casos é uma santa de bebé. Tão querida, tão meiguinha, tão doce.

Tento dar-lhe o máximo de atenção possível mas muitas vezes sinto que falho redondamente e que asseguro apenas os serviços mínimos. Além de toda a logística de casa, ela divide atenção com a irmã, a quem não queremos que falte também qualquer atenção. O tempo dos pais não dobra, nem quando dobra ou triplica a necessidade que temos dele. Por isso pode bem acontecer que esteja a dar de mamar a segurar a mais nova com um braço e a brincar com a mais velha com o outro; Ou que esteja a brincar com a mais velha e a empurrar com o pé o carrinho da mais nova. Ou que não consiga sair disparada ao primeiro barulho de choro, porque tenho de gerir com a mais velha uma saída da beira dela. É um trapézio o tempo. Um trapézio onde queremos que tudo esteja direito e seguro e de onde muitas vezes caímos. Eu sinto que caio demasiado. E que falho mais do que gostaria.

Falho se pensar em especial que com a C. tinha todo o tempo do mundo, dadas as circunstâncias da altura, e que a I. nunca vai saber o que é uma mãe 100% disponível. Ainda não consegui estar em paz com isso. Às vezes sei que ela chora porque quer atenção mas eu estou no meio de qualquer coisa com a C. e só consigo levantar-me para lhe pôr a chupeta. Peço-lhe desculpa mas sei que não é suficiente. Pesa-me imenso. Custa muito.

No meio disto, a minha mãe diz-me que passou exactamente pelo mesmo. O mesmo pesa na consciência. A mesma angústia. Mas que eu sou a mais nova e não lhe parece que tenha ficado com grandes traumas disso. Não fiquei. E tudo se resolve. Mas a minha filha mais nova é tão, tão querida que eu queria dar-lhe o mundo e às vezes nem uma pequena aldeia lhe consigo dar. Que se invente novo tempo. Mais tempo. 

1 Coisas dos outros

  1. Não tenho experiência de ser mãe de dois (nem planeio tê-la), mas como irmã mais nova, também digo que não sofro traumas disso.
    Aliás, se pensares bem, ela não conhece outra realidade. Não tem com o que comparar. Daí, não ter como achar que está bem ou mal, que gostava de ter mais ou menos.
    Essas coisas estão na nossa cabeça.
    Penso que mais complicado que isso, é gerir a perda de atenção que o primeiro sofre. Porque esse sim, nota bem a diferença do antes e depois.

    São várias as razões que me levam a não queres ter um segundo filho. E embora a maioria seja muito mais impactante, essa é também uma delas. Não sei se saberia gerir a divisão de atenção.

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