Há uma coisa sobre a condição humana que sempre me intrigou. Talvez não tanto da condição humana em geral, mas dos portugueses em especial. Diz-se mesmo que é traço muito próprio.
Falo daquela característica do "coitadinho" que tendemos a mostrar quando se pergunta como vai a vida, o "lá se vai andando como Deus quer," "nunca pior", "olhe, lá vamos."
Não gosto disto.
Não gosto deste lado derrotista e down das pessoas, que envereda geralmente para um desenrolar de queixas, do estar tão mal, das dores nas cruzes. É um dado adquirido que todos temos os nossos problemas e canseiras ou mesmo dores. Mas questiono-me o porquê de a generalidade das pessoas preferir expor o lado pior, quando alguém pergunta como está. Não é também adquirido que há sempre um lado positivo, qualquer coisa boa? Porque não começar por aí?
Enfim, a queixa generalizada é coisa para me tirar do sério, especialmente naquelas pessoas que são absolutamente incapazes de dar uma resposta positiva em algum momento. Estou certa de que todos conhecemos alguma assim.
Não nego que possa também ter esta particularidade em mim.
Em consciência diria que não tendo a dar respostas destas, que sou aliás bastante positiva e que se deverão contar pelos dedos das mãos as vezes em que alguém me pergunta como estou e eu respondo a tal da ladaínha portuguesa.
Hoje no entanto aconteceu um fenómeno algo estranho e julgo ter entendido o motivo da postura "vai-se andando" por oposição à do "tudo bem, obrigada."
Descia no elevador com uma colega que me perguntava como estava a passar com a gravidez.
Estou a passar lindamente.
Por qualquer motivo estranho disse que estava tudo bem mas que.. Sabem aquele "mas" que estraga toda uma frase? "Bem, a barriga já pesa e faz algum calor."
Isto nem se quer é verdade!
Ou melhor, claro que é verdade que a barriga vai pesando cada dia mais e que tenho efectivamente bastante calor. Só não é verdade numa perspectiva de queixa, porque não me custa nada que não possa aguentar. É normal, absolutamente normal e lido perfeitamente bem com isso. O tom com que o disse foi o que estragou tudo. Eu que nem sou assim!..
Os quase três quilómetros de caminhada até casa deram-me contudo para concluir a razão desta atitude.
As pessoas têm medo de dizer que estão bem.
Porque Deus castiga, porque "não cuspas para ar que te cai em cima", porque "fia-te na Virgem" e por uma série de outras sabedorias populares que inibem de admitir que se está bem.
No meu caso em particular, tenho algum receio de dizer aos sete ventos que está tudo a correr lindamente, que estou a adorar estar grávida, que não me tem custado absolutamente nada, que é uma experiência maravilhosa em todos os sentidos. Não, preferi dizer que a barriga já vai pesando a está calor. Porque se disser a verdade, a minha verdade, quem me garante que não acontece um volte face cósmico para que eu me ponha no meu lugar e tenha a minha quota universal de sofrimento?
Será mais ou menos o equivalente a não se poder contar os sonhos, porque se contar não se realizam.
Talvez não convenha a ninguém dizer que está tudo bem.
Mas se disser, o que acontece?